18 de dez. de 2005

Night Bird

Sometimes I feel like I’m only a lonely night bird. Flying alone in a rainy night, trying to find some direction. And I just don’t get any. Dark clouds of delusion and sadness block the way. I wonder if some day, I will find the sun.

Maybe then, I could stop feeling like a night bird and became a colorfull butterfly. Right now, I’m only black, grey and white.

13 de dez. de 2005

Cerejeira

Depois da guerra, nada sobrou. Ando por minha cidade procurando um sinal de vida, uma cor diferente do cinza de chumbo do inverno atômico que já dura dois anos.

Sem perceber, chego ao Jardim Municipal. Lá, no meio das outras árvores, rainha sem reino, está nossa cerejeira. Onde gravamos nossas iniciais, em algum dia de uma primavera que não mais voltará.

Pois você morreu no primeiro ataque dos invasores, na frente de batalha, queimado até não sobrar nada. E da cerejeira, sobrou o tronco. Onde estão as folhas verdes e brilhantes? Perdidas em um verão pretérito.

Encosto a cabeça na árvore e me deixo cair ao chão, qual folha nas manhãs de outono de minha lembrança.

27 de nov. de 2005

Como nos tornamos Fogo?

Como nos tornamos fogo,
Escravos de um pequeno desejo?

How we became fire? - Moonspell


As chamas consumiam os últimos fios do teu cabelo.

Como foi que me perdi do caminho escolhido, por ver em tua boca a promessa de algo mais?

Em que momento tua presença tornou-se mais importante do que qualquer coisa?

Em que encruzilhada do destino eu vi os teus cabelos ruivos?

Disseste ser salamandra, dona do Fogo e dos seus domínios. E amei-te mesmo assim. No meu estúdio alquímico, conjurava demônios, e atravessei os limites do Plano flamejante onde moravas.

De início, fez-me promessas e aumentou meu conhecimento. Eras espectro de chamas nas sombras do meu feitiço de invocação.

Encantaste-me. Com teus olhos de fogo, teus cabelos como o cobre, a voz que queimava minh’alma. Tua visão brilhava em meus sonhos, perseguia-me enquanto estava acordado. Sequer tentei resistir, forçar-me a desvanecer tua figura. Joguei meu espírito em tuas chamas.

Queria mais, desejava possuir teu corpo que não existia. Incorporal, etérea, eras Salamandra, rainha e espírito do Fogo.

Dediquei meus estudos, meu tempo, minha riqueza a meu único objetivo. Abraçar teu corpo e consumir meu desejo em tua carne quente. Deveria criá-la, fazer tua essência imaterial passar dos planos elementais e tornar-se matéria.

Dias, meses, anos. Consumi minha vida na vontade insana de saciar minha vontade de ti.

Não foi em vão.

Uma noite de chuva opressora, calor sufocante. Moldei as formas no barro, fiz os encantamentos devidos. Convoquei-te e fiz a proposta. Teu sorriso faiscou a tua resposta. Porém, antes de me deixar começar, fizeste uma advertência. Tua estada no meu plano seria curta. Em seis meses, deixarias de ser barro e tornarias ao fogo, que era tua casa.

Vivi esses dias imerso no queimar da matéria que fiz para ti. O desejo ardia nos dois, tornando-nos escravos e senhores um do outro.

Hoje, o prazo findou-se. Teu último beijo ainda estava quente nos meus lábios, meus braços guardavam a sensação do teu calor. Vi a frágil existência que eu criara sendo consumida pelas chamas que te reclamavam.

As chamas consumiam os últimos fios do teu cabelo.

Por que saí do caminho escolhido, ao ver em tua boca a promessa de algo mais?

Quando senti tua presença mais importante do que minha vida?

Em que encruzilhada do destino eu segui os teus cabelos ruivos?

No meio do meu estúdio, o fogo era glorioso. Tua face refletida nele. Dei os passos necessários, e novamente nos abraçamos.

Mas já não era a essência do fogo que se fazia carne. Era meu corpo que se entregava às chamas.

Foi assim que nos tornamos Fogo.

21 de ago. de 2005

Nova versão do Canto de Luar!

Meu site de cara (literalmente) nova!:)

Espero vossas visitas!

1 de ago. de 2005

Morgana fala...


Saio das águas do lago com a espada nas mãos. Não iria deixar nosso tesouro nas mãos dos adoradores do deus morto. Na noite fria, as brumas me envolvem como se me reconhecessem.
Não consigo chorar, os rios que escorrem por minhas faces não são lágrimas. Mas meu irmão, rei e amante, está morto. E com ele, o mundo que conheci, amei e lutei até o fim para preservar. Pois aquele que nascera para ser nosso líder, que deveria nos fazer triunfar sobre os cantadores de missa, nos traiu.

Somente eu sei como ele morreu. Ninguém mais saberá. Continuo andando, sem sentir dor, frio ou cansaço. É tarde demais para todos nós, depois do que aconteceu há tão pouco tempo


Era uma tarde gloriosa, os invasores haviam sido finalmente derrotados. Artur, líder dos bretãos, bradava alegremente, cantando a sua vitória. Os soldados o imitavam, saudando os seus deuses. Eu sorria e gritava junto quando aclamavam a Deusa, da qual sou sacerdotisa.
A alegria foi interrompida. Uma pequena comitiva se aproximou de Artur. Patrício, bispo da Irlanda, e a rainha pediam a palavra. Ao meu lado, o velho druida franziu a testa. Os nossos soldados, incluindo o meu filho com o rei, perceberam, parando as salvas. Minutos depois, Artur, sério, virou para as tropas, anunciando que a partir daquele momento, em agradecimento pela vitória, a Bretanha seria cristã, e os antigos deuses deveriam ser esquecidos.

Ao anoitecer, eu e meu filho acompanháramos o Merlin em seu encontro com Artur. Meu irmão sequer abriu a boca, pois o druida começou a despejar seu discurso de ódio e maldição.

- Você, que nos deve tudo; você, a quem seguimos lealmente. Traidor. Você ajudou o bispo caçador de serpentes. A morte é pequena demais como castigo. Eu te amaldiçôo, Artur, filho de Uther. A não ter memória, a não ser lembrado. A partir desse dia, seu nome e o do seu povo serão mitos e lendas. Ninguém poderá afirmar quem foi você, quais foram os seus feitos, qual foi sua família. Sua mulher o renegará, seus amigos o esquecerão. E você estará morto, e a sua imagem virará névoa.

Um trovão ecoou. Mordred percebeu e pulou para salvar seu pai. Morreram juntos, como jamais estiveram em vida. O Merlin jogou a espada sagrada no lago, antes de cair morto.Como em um sonho, me joguei nas águas frias...



Quando saio do transe, tenho os músculos rijos de frio. Estou na costa da Cornualha, perto de onde nasci. O frio do metal corta as minhas mãos, devo ter andado durante dias para estar aqui. O mar estende-se aos meus pés, no fundo dos imensos penhascos. No horizonte, o céu cinzento encontra o mar. Além, quem sabe? A terra de Ys Brasil?

Pelos tempos que se foram, e pelos que virão, eu digo uma prece. Peço piedade para aqueles que adoram o deus morto. Meus pés encontram o ar e meu corpo cai, com Excalibur em minhas mãos.

14 de jul. de 2005

A dama da noite


A dama da noite
Sempre ouvi histórias sobre o perfume da dama da noite. Colhida no meio de um buquê, abria-se durante a noite em um quarto fechado, matando quem estivesse no recinto.
Lígia lembrava-me a dama da noite. Sua pele era alva como essa flor, e sua beleza escondida desabrochava a noite. E seu perfume...inebriante. Não conseguia pensar em mais nada ao senti-lo. E seu cheiro ficava em minha memória.Porém, todos os meus pedidos de casamento foram recusados. Escolheu outro.
Mas, hoje, no dia de suas núpcias, eu trouxe Lígia para mim. Colhi-a, como quem colhe uma flor. Matei-a, sim, mas o que me importa? Espero a noite, quando a minha dama irá desabrochar, matando-me com seu perfume.

23 de jun. de 2005

De ressaca

Ai. Que puta ressaca. Misturar destilados hidrolíticos marcianos com licores da Nuvem de Magalhães não podia dar certo mesmo. Droga. Melhor pegar o cartão de ignição e sair dessa espelunca...

Opa, calma aí. Cadê meu cartão? Sem ele, não consigo dar a partida no meu velho XTR 450, modelo adaptado pro Sistema Solar. Será que eu perdi em algum canto? Bom, não vai ser difícil entrar sem ele, e lá dentro eu faço uma ligação direta na corrente de neutrinos azuis...

Pó, eu devo estar olhando a escotilha errada, só pode ser. Cadê a sucata que eu deixei ali, noite passada? Ah, droga. Meu cronômetro deve estar errado. Não podem ter passado 5 dias-padrão solar desde que eu cheguei aqui, e ele diz que foram 3 semanas!

Ih, não é meu cronômetro não. O da parede está marcando a mesma data.Ai, não; perdi a data da entrega da mercadoria. Quer dizer, acho que até a mercadoria eu perdi. Vamos recapitular aos poucos, se a cabeça não rachar no processo.

Peguei a carga de urânio ultra fino, coloquei no XTR e parti em direção ao sistema solar. Era uma encomenda para as usinas termo-nucleares de Marte. Só que, ao chegar na órbita de Júpiter, senti sede e resolvi parar.

Era o bar mais falado entre os carregadores de todo o braço inferior da Galáxia. Também, merecia. Bebida boa, comida farta, e companhia à vontade. Para todos os gostos e preferências, machos e fêmeas de todas as raças conhecidas. Foi ali, no salão principal do bar que eu a vi.

Todas as marcianas são maravilhosas – seleção genética apuradíssima dos colonos e dos fetos autorizados a completar a gestação – mas aquela ali era simplesmente divina. Pele negra como ébano, cabelos brancos até a cintura e olhos com a cor das nuvens de tempestade, veio em minha direção com um sorriso nos lábios perfeitos e um copo na mão.

O que foi que ela disse? Merda de dor de cabeça. Ah, ela veio com algum papo mole desses, elogiou meus dois tentáculos laterais ou coisa do tipo.Não lembro, só consigo sentir o gosto da bebida e ...Piranha, vadia, ela me dopou. Ela deve ter pego meu cartão de ignição, roubado minha nave e...

****

Os pensamentos do arcturiano foram interrompidos pela vozinha aguda de um insetóide.

- Senhor? Senhor? Com licença, ficamos felizes que tenha se recuperado. Parece que sua raça tem uma alergia especialmente forte a algumas bebidas do sistema solar. O senhor ficou em coma durante alguns dias. Sua nave foi colocada em uma vaga a parte, e seu cartão ficou conosco para sua maior segurança.

Com um resmungo, pegou o cartão e foi embora sem agradecer. Não viu o sorriso cínico da funcionária, e não reparou que estava sem seus dois tentáculos laterais, situados atrás dos braços.

Atrás do balcão da recepção, um cartaz piscava:

“Atenção, tentáculo e outras partes corporais dispensáveis de pessoas embriagadas serão consideradas sem proprietário legítimo”

12 de jun. de 2005

Chuva de Cinzas

inspirado em uma música do Eurithimics

A chuva cai como uma memória. Os raios de sol já se apagaram há muitos anos, e a desolação que me cerca já não incomoda mais. Ando em frente, ignorando os escombros que entrevejo aqui e ali. Faz dias que não vejo nada nem ninguém vivo, mas pouco me importo. Estou viva, e para mim basta.

Caos e guerra destruíram tudo o que conhecia. Lembro de que fui jovem um dia, e que havia felicidade na dureza da vida. Não mais, não mais. Agora, se soltar um grito, nada nem ninguém irá me responder. Somente o eco triste de minha própria voz refletida nas ruínas de uma sociedade doente. Antes, escavávamos resquícios dos que vieram antes de nós. Deixamos todos os indícios para serem descobertos, mas de onde sairão os arqueólogos que irão nós desvendar?

Continuo meu andar solitário. Não sei onde estou, porém o que importa? Os nomes desapareceram junto com aqueles que lhes davam significado. Tampouco lembro do meu próprio. Sei que já tive um, que era repetido por pessoas que me amavam.

Isso foi antes. O agora é cinza e eu prossigo. Minha viagem não tem rumo, nem sentido. Foi apenas o que me restou, e é isso que sigo fazendo.

22 de mai. de 2005

As asas da borboleta

O amor machuca as asas da borboleta. Presa na roda do destino, sem direção para ir, debatendo-se...

Pedaços de cor caem como memórias que vão sendo esquecidas. Uma conversa sobre livros que nunca mais será lembrada, um filme ruim em boa companhia que jamais fará surgir um sorriso novamente.

E o amor quebra as asas da borboleta. Ainda presa, sem saber o que fazer, mas quieta.

O que sobrou das asas vai esmaecendo. Além de lembranças perdidas, são os sentimentos que passam a se entorpecer. A saudade de uma ausência mais prolongada, a alegria de um reencontro, a tristeza por uma briga.

E já não existe mais amor para terminar com as asas da borboleta. Mesmo ela desistiu de tudo e exausta se deixou cair. E finalmente escapou da roda do destino.

10 de mai. de 2005

Lua Negra

Foi a noite mais escura da minha vida. O ar estava denso e pesado, e nenhuma estrela brilhava. Kahntsi Ehnita, o xamã responsável pelo ritual das noites sem lua, havia convocado uma reunião de todos os chefes dos Hodenosaunee. Meu tio, irmão de minha mãe, estava lá representando nossa nação, caienga. Nos chamavam de ‘mohawks’, por nossa ferocidade. E o acompanhei, orgulhoso.

Não era uma reunião normal. O Conselho havia se reunido duas luas antes. Não estávamos em guerra, não era preciso reunir os chefes. Tremi na minha roupa nova. Todos esperavam algo de ruim a ser dito. Os chefes das Cinco Nações estavam frente a frente na grande fogueira. Meu tio postou-se do lado do chefe Seneca e do chefe Odonanga, como de costume, por serem as nações que fundaram a nossa união. Do outro lado, os chefes Oneida e Cayuga, os irmãozinhos. Seus clãs eram fortes, mas ainda não tanto quanto os dos irmãos mais velhos. Meu pai era filho do chefe Oneida; e me olhou com orgulho, ao me ver do lado de meu tio.

E o xamã Lua Negra entrou. Velho, como se tivesse existido desde que a Mãe de Todos criara o Grande Rio. Para nossa surpresa, não estava pintado, não usava paramentos. Vinha vestido com a sua roupa simples, se enfeitara com a sua dignidade e sua sabedoria. E, hoje, cativo daqueles que o mataram, ainda posso escutar sua voz trêmula. Lágrimas me subiram aos olhos, naquela noite. E como todos os outros, gritei pedindo auxílio da Mãe.

- Ah, irmãos, Nações das Grandes Casas! Nós, que somos irmãos das árvores, e que vivemos ao abrigo de sua sombra. Nós, que chamamos a águia de mestra e o urso de companheiro. Eis o que os sonhos me disseram!

“A Mãe me pegou pela mão. Mostrou as florestas em que vivemos, o rio que amamos e as praias de onde tiramos o peixe. Foi mais além e mostrou onde nossos outros irmãos vivem. As terras do bisão e da areia. Os lagos silenciosos. E apesar de sermos inimigos, meu coração ficou feliz ao vê-los. E olhei para a Mãe. Chorava, e suas lágrimas me levaram até o mar. Perguntei ‘Mãe, por que chora?’ E ela disse ‘Choro pelos meus filhos, todos eles. Do pequeno raccon ao grande bisão. Do pacífico dakota ao guerreiro mohawk. Tudo tem um fim, e o tempo dos meus filhos não irá durar. Vocês que correm livres serão prisioneiros. Passarão fome, terão sede e seus filhos serão mortos. E no fim, serão iguais a eles’. Não pude perguntar, pois ela me trouxe de volta. E eu acordei, e vi a noite sem estrelas. Agora sei que tudo está acabando.”

Gritamos noite adentro. Quando eles vieram, lutamos como se fossemos loucos, pois sabíamos que tudo estava perdido. Muitos morreram. Meu tio, meu pai e o xamã. Fui preso, e da minha prisão ainda ouço nossas vozes gritando. Hoje sei que naquela noite sem estrelas, todos os ‘índios’ gritaram à Mãe.

23 de abr. de 2005

O Senhor do Tempo

O Senhor do Tempo abriu as mãos. Os milênios escorreram como se fossem meros segundos. Galáxias surgiram, estrelas nasceram, planetas se formaram. Mas achou pouco.

O Senhor do Tempo soprou. E os milênios partiram-se em séculos. A Vida brotou: água, chuvas, vulcões e terremotos transformaram a sua obra anterior. Mesmo assim não ficou satisfeito.

O Senhor do Tempo abriu os olhos. Dos séculos, surgiram anos. Vieram as civilizações, grupos pequenos, pintores de paredes; viravam aglomerados informes de população, que construíam templos e obras gigantescos.

O Senhor do Tempo começou a se sentir satisfeito. E as civilizações começaram a se destruir, colocando toda a criação em risco. E Ele fechou os olhos.

Mas era tarde demais.

19 de abr. de 2005

O caso da estatueta roubada

(Texto que foi enviado para competir na OE, mas venceu por WO....)


Odeio clichês, chavões, estereótipos e outras faltas de originalidade. E foi impossível não pensar nesse meu sentimento quando ele entrou na minha sala. Suado, falando alto e gesticulando, sotaque carregado: o típico italiano, enfiado em um terno mal cortado. Disfarçando minha repulsa, indiquei a cadeira reservada aos clientes, enquanto fazia uma pose de atenção total. Minha mente divagou entre o péssimo caimento da vestimenta dele e quanto receberia por um trabalho para o carcamano. Um “porca miséria” aqui, outro lá, e pouco a pouco foi se desvendando uma trama confusa, monótona e...clichê. Uma estátua rara, de um Deus do Ódio polinésio, fora roubada da casa do italiano, e ele precisava recupera-la. Havia vendido para um cliente importante – era antiquário. Recebera o dinheiro, e não tinha mais o tal Deus.

Estava prestes a mandar o sujeito procurar a seção de “Achados e Perdidos” do Correio mais próximo, quando outro estereótipo entrou na minha sala. Loira, alta, bem feita de corpo, imensos olhos azuis nublados de lágrimas, lábios pintados com esmero, que tremiam no esforço para conter os soluços. Retiro o que disse. No fundo, clichês têm o seu lado interessante.

A deusa abraçou o velho, chamando o de pai, para minha grande felicidade. Depois virou em minha direção aquelas duas poças de luz. Pediu minha ajuda para o pai. Ao Inferno o meu preconceito em relação a clichês. Peguei meu sobretudo do cabide, atrás da porta, enfiei o chapéu na cabeça e dei passagem para a mocinha. O pai pediu para ficar, pois tinha medo dos assaltantes.

Ofereci meu braço a beldade loura que me acompanhou até a residência que dividia com o pai. Moravam bem, em uma mansão afastada da cidade. Chique. As luzes estavam apagadas, e minha acompanhante explicou que era porque os empregados já estavam dormindo. Fui imediatamente ao aposento indicado, onde a estatua ficava antes do assalto, enquanto ela disse que iria até a cozinha.

Olhando os cacos de vidro, antegozei as delícias de completar aquele caso. Iria me tornar um herói para aquela mulher estonteante, além de poder cobrar um preço bem substancial. Finalmente poderia deixar de ser um detetive de terceira e ir além. Bom, muito bom. Um som estridente tirou-me dessas deliciosas reflexões. Sirenes?



Uma semana depois, fui libertado. Finalmente os policiais acreditaram na minha história, principalmente depois do telefonema do meu senhorio, reclamando da porta aberta e do escritório saqueado. Sim, maldito seja o velho, além de assaltar uma mansão e me colocar de bode expiatório, levou tudo o que eu tinha no mundo.

Entrei na sala vazia, dei um murro na parede e gritei.

- Porca miséria, eu odeio italianos!

Ao invés de me sentir aliviado, a mão começou a latejar e doer. É como eu disse no princípio. Odeio clichês e coisas do tipo. Mas com tantos chavões ao meu redor, eu não poderia ser o modelo de detetive que sempre acerta?

15 de abr. de 2005

Sobre o tempo

Tempo.
Que corre, que urge.
Que vai e que volta,

Tempo.
De matar e viver.
De andar e correr.

Tempo.
Do arqueólogo ou historiador.
Do poeta ou do escritor.

Tempo.
Cura feridas, mas traz outras.
Apaga lembranças, as fabricando de novo.

Tempo.
Que vai, que volta.
Que corre e que urge.

Poema escrito na luz de uma vela

O fogo
Cria a luz
E as sombras.
Luz que tremula,
Que gira e revolteia.
Luz de uma vela.
Será extinguida
Com o sopro,
Do vento.

13 de mar. de 2005

Correndo nas sombras

Ele parecia ser um cara normal. Até bonitinho, com seu jeito tímido de se aproximar. Como eu ia saber que era mais um dos mercenários contratados por meu pai para me capturar de volta? Geralmente os “corredores das sombras” têm feições sombrias e não freqüentam lugares sociais. Um rapaz da minha idade, de cara limpa, bem vestido e simpático era justamente o oposto do que eu esperava.

Maldizendo-me por não ter feito um ciber-implante acelerador, dobrei uma esquina. Escondida atrás de um container de lixo, recuperei o fôlego enquanto pensava. Ele provavelmente não ia desistir fácil, já que papai oferecera uma recompensa de mais de 500000 nuiens para me ter de volta viva. Morta, acho que eu valho um pouco menos. Só por causa das aparências. A filha do presidente da Renraku Corporação perdida no meio das ruas de Seattle, vivendo de trabalhos mercenários? Isso não podia acontecer. E por isso, estou com a metade dos mercenários da Costa Oeste em meu encalço.

Uma sensação de perigo sacudiu o meu corpo. Eram os meus sentidos aguçados cirurgicamente avisando que o estranho estava vindo. E só então me dei conta de que estava em um beco sem saída. Ótimo, e agora? Olhei para cima e vi uma sacada. A parte velha da cidade ainda mantém alguns prédios antigos, o que estava sendo providencial nesse instante.

Torcendo para que minhas pernas reforçadas com prótese de silício orgânico dessem conta do recado, pulei. Consegui a custo me pendurar e subir. Logo depois, meu perseguidor surgiu e pareceu surpreso ao não me encontrar. Sorri em silêncio, buscando estar o mais parada possível, para que ele não percebesse. Não sabia quais implantes ele teria, mas não deviam ser poucos. Ele parecia muito diferente dos corredores que eu conhecia, contando os nuiens para cada mísero implante de ligação neural. Provavelmente, era empregado de alguma corporação. Provavelmente da Renraku mesmo. Com certeza, ele tinha visão aprimorada, pois conseguira ver a arma no meu bolso esquerdo... E reflexos acelerados também, pois desviara da faca com calma que eu joguei quando ainda estávamos no bar.

Ele sumiu. Não o via mais lá embaixo, será que desistira? Levantei-me devagarinho, porém estaquei surpresa ao ouvir uma voz ao meu lado.

- Procurando alguém, docinho? Eu pude ouvir sua respiração lá de baixo.

Ele estava flutuando ao meu lado. Botas antigravitacionais, um absurdo de caras e só disponíveis em catálogos secretos. E obviamente também comprara sentidos aguçados. Entreguei-me, e descemos juntos.

- Muito bem. Agora vamos, que seu pai está ansioso por vê-la.

O sorriso cínico dele me irritou. Eu parecia derrotada, né? Estava andando na frente, parei. Olhei nos olhos dele, e em um movimento rápido, o beijei profundamente na boca.

Uma das regras para a sobrevivência na rua é jamais misturar negócios com prazer. Não é uma questão de simples ética. Elevação de adrenalina e libido não combinam com certos ciber-implantes ligados. Principalmente, reflexos acelerados e sentidos aguçados. O resultado é uma pane no sistema.

Meu captor caiu no chão, os circuitos em choque. Ele pensou que eu era uma menininha mimada que fugiu de casa por rebeldia. Não sabia que as aparências enganam? Não me preocupei mais. Em pouco tempo, alguém viria socorre-lo. E eu voltei para o mundo das sombras, que eu escolhera como lar.

O rei está morto...Viva o Rei!

- Esta é a maior descoberta dos últimos dois milênios! Uma nave-tumba da civilização perdida dos Alinontes! E nós, terrestres, fomos os primeiros a encontra-la! Isso irá matar os arbussianos de inveja.
Minha companheira preparava-se para abordar a misteriosa nave que surgira nos nossos sensores poucos dias atrás. Eu não estava muito excitado com a idéia. Primeiro porque não sou um arqueólogo espacial como ela, e segundo porque não gosto do pensamento de que iremos violar uma tumba, seja ela uma nave ou não. Chamem de arcaica superstição, não ligo. Um homem pode ter seus pudores.
- Você vem ou ainda está com medo de “fantasmas”?
Tanilke sempre debochara do meu medo.Eu não ligava. Achava – como ainda acho – que não nos custa nada deixar os mortos em paz. Mas o salário como piloto da nave de pesquisa arqueologia Champollion era tentador demais. E como eu poderia desconfiar de que iríamos encontrar uma nave-tumba logo de cara?
A contragosto, vesti meu uniforme espacial. Não sabíamos como poderia estar a atmosfera dentro da nave. Fechada há cinco mil anos, provavelmente não seria saudável arriscar entrar desprotegido.
Nos teletransportamos para a central de comando. Os computadores, alimentados por uma bateria auto-recarregável, altamente radioativa, mostravam suas luzes difusas. Não havia outra iluminação. Senti um calafrio, como se algo gelado percorresse minha espinha. Na penumbra, vi Tanilke se aproximar de um painel e digitar algumas ordens. A claridade aumentou, e vi uma malha de imensos corredores. Dirigi-me, inconsciente, ao corredor mais central, o que fez minha parceira ficar surpresa. Seguimos caminho.

Nas paredes, esculpida em hologravuras delicadas e detalhistas, estava a história do homem que mandaram construir a nave. Segundo minha amiga, era um dos últimos reis de uma das primeiras dinastias imperiais dos Alinontes. Vivera longamente e fora sobre seu domínio que o Império atingira sua máxima extensão. Porém, ao envelhecer, adoecera gravemente. Nenhum dos médicos conseguiu descobrir o que causara a doença, que deformara tanto o corpo quanto a mente do soberano. Quando a morte o buscara, fora um alívio para todos e seu filho assumira, mantendo a prosperidade do reino. Uma estranha sensação de dejá-vu me assaltou ao ver as gravuras e ouvir a explicação dela. Um ódio inexplicável pelos médicos me tomou, no entanto este não era nada comparado ao que senti pelo filho e sucessor do morto. Sacudi a cabeça.
As gravuras terminavam exatamente no final do corredor. Uma imensa porta bloqueava a passagem. Não que fosse empecilho para minha jovem amiga. Ela desbloqueou o canal de comunicação, ligando os amplificadores. Entoou uma sucessão de notas, agudas, que eu reconheci como uma fórmula mágica. Um eco inexplicável se ouvia, como se mais alguém cantasse junto.
Todos os meus sentidos gritavam para que eu saísse dali. Infelizmente, o contrato é claro. Eu tinha que acompanhar a equipe – no caso, Tanilke – e auxiliar no que fosse possível.

Entramos na câmara fúnebre. Ali, a escuridão era total, menos por uma claridade azulada que saía de um objeto de metal ricamente trabalhado. O sarcófago de Artrouewy. Feito com o alumi-silicato, tão comum no hemisfério norte de Alinon, e tão raro no nosso hemisfério sul. Só os melhores artesãos eram capazes de trabalhar bem aquele metal. Um momento de fria lucidez me assaltou. Aqueles pensamentos não eram meus. Foi quando me dei conta que a arqueóloga lia as inscrições no sarcófago. Tentei gritar para que ela não terminasse. De alguma maneira, eu sabia o que era aquilo. Um encantamento de ressurreição.

Mas tarde demais. Quando falei, não era mais com a minha voz. E o fiz em uma língua estranha, repleta de assovios e sons agudos.

1 de mar. de 2005

Alma Carioca

Eu canto o Rio. Mas canto o Rio que eu conheço e que meu pai escolheu.
O Rio em que meu avô morreu.

Tive dois namorados no Meier, um em Inhauma.
Uma grande amiga em Anchieta, outra na Pavuna.

Meu eterno professor mora nas Laranjeiras.
No meu segundo grau, ia muito na Praça da Bandeira.

Em Agua Santa, mora meu ex-orientador.
De Bangu pra Praça XV, só fui de parador...

Minha mãe morou em Sulacap e no Flamengo.
Uma tia, que é paraguaia, tem casa em Realengo.

Meu padrinho mora na Barra da Tijuca,
Mas foi na Rua Ceará que eu aprendi a jogar sinuca.

Vila Isabel, Grajaú, Andaraí,
Del Castilho, Todos os Santos, Cachambi...

Marechal Hermes, Lins, Engenho de Dentro,
Deodoro, Magalhães Bastos, Bento Ribeiro,
Urca, Gavea, Copacabana e Ipanema...

Isso é o que eu conheço do Rio de Janeiro.

21 de fev. de 2005

A vila na areia

- Por mil relâmpagos. Juro que aconteceu assim! Vi como se fosse essa garrafa de rum! Eu e os rapazes do “Sereia do Inferno” éramos o pior bando de piratas e assassinos que já percorreu os Sete Mares. Os covardes da Marinha do rei tremiam só com a menção do nosso nome.
“Ouvimos falar de uma pequena vila de pescadores, onde as velhinhas guardavam baús debaixo de suas camas...repletos de ouro que extraíam ilegalmente. Descemos do navio em um único grande bote, na hora mais escura de uma noite sem lua, quando nem o vento fazia barulho e o mar não se movia.”
“Eram uma dúzia de cabanas de palha, espalhadas pela areia. Entramos em cada um dos barracos. Por Poseidon, cada cama de velha que achamos tinha debaixo um baú com ouro! Os imbecis que acordaram, nós cortamos as gargantas. E juro, por mil caranguejos, que somente as velhas não acordaram! Todo o ouro que conseguimos, juntamos no centro da aldeia e distribuímos entre os homens.”
“Mas a Sorte não era nossa. Um dos homens achou barris de cerveja. Todos começamos a beber e cantar. O dia amanheceu e estávamos lá, estirados, bêbados como porcos. Pois não conseguimos levantar durante o dia, e só quando chegou o anoitecer eu recobrei os sentidos. Pelos deuses do Mar, preferia ter continuado dormindo! Os miseráveis dos aldeões que matamos estavam em pé, suas gargantas abertas, vindo em nossa direção! E as malditas velhas atrás, rindo! Era uma aldeia de bruxas, amaldiçoadas sejam, cadelas, amantes do Diabo! Gritei, o máximo que podia, para que os homens acordassem!”
Nem todos conseguiram. Os que os defuntos alcançaram, eram estraçalhados ali, perante meus olhos, como se fossem carne! Lutamos bravamente, com nossas facas e punhais. Mas aos poucos os desgraçados chegavam mais perto, arreganhando os dentes em um sorriso sangrento. E as putas do Demônio, as velhas, riam! Eu e meus homens largamos os punhais e corremos, como raios, para alcançar o bote, que estava perto. Ah, mas por Belzebu, não conseguimos. Somente eu consegui!”
Em sua voz rouca e grasnida, o papagaio que ouvia a história, cantou um pequeno refrão.
- Capitão, capitão
É um covardão.
Deixou seus homens na mão.
Agora vai pra Inglaterra.
Vai virar sabão!
O velho pirata atirou a garrafa vazia no pássaro, que se desviou e continuou a cantar. O navio de bandeira inglesa, que deixara Jamestown há algumas semanas, o encontrara delirando, dentro de um bote, no meio do mar das Caraíbas. Dizia coisas sobre mortos que andavam e bruxas, e ouro puro. Não deram atenção de início, mas descobriram que era Alonso Hernandez, capitão do “Sereia do Inferno”, um dos mais perigosos piratas daquelas partes do oceano. Não encontraram sinal do navio, e concluíram que os outros deviam ter se amotinado e o abandonado. O colocaram em uma cabine, e o esqueceram lá até chegarem, quando o encontraram estrangulado com um lençol pendurado no teto.
Jamais se soube o destino do “Sereia do Inferno".

16 de fev. de 2005

Vazio

Mais um texto para a OE, que provavelmente não vai agradar

Vazio

O som não existe no vazio do espaço. As estrelas brilham, mas sua luz é
fria. Milhares e milhares de pontos luminosos no espaço.

Uma explosão no conversor de anti-matéria, uma fenda no casco da nave...
Como engenheiro, ele saiu para consertar a nave. O rasgo foi soldado, e lá
dentro o conversor voltara a funcionar.

Mas antes que pudesse voltar ao interior da nave, uma falha no imã das botas
o jogara longe da nave. A bela deusa prateada sequer reparou que ele ficara
para trás.

Flutuava, sem saber em que direção olhar. Nenhum som, nenhum calor,
nada...só uma luz fria e difusa ao seu redor. E ele, um pequeno corpo a
girar no infinito.

13 de fev. de 2005

Michelle

(Mais um mini conto, dessa vez abordando o meu tema de trabalho, de forma indireta. Não foi muito aplaudido...)

Michelle

Era um belo dia de junho, e o calor aquecia as belas terras ao redor do castelo de Châlon-sur-le-Saône, onde a corte ducal estava reunida. Michelle, a jovem princesa nora do duque João, alcunhado de Sem-Medo por sua valentia, sentia-se feliz como nunca. A doentia Paris não lhe fazia falta, pois era no campo ou na pequena cidade de Dijon que estava realmente em casa. Sua criada, uma bela jovem da região da Flandres, reparou em sua alegria.
-Feliz, senhora?
-Como não estar? Hoje, com a graça do Senhor Deus, o duque, meu sogro, regressará após ter feito a paz final com meu irmão, o Delfim Carlos. Depois de tantas mortes, poderemos viver em paz... Ou melhor, minhas duas famílias lutarão lado a lado contra os verdadeiros inimigos, os ingleses.
A criada assentiu com a cabeça. E Michelle de França continuou a se preparar para quando seu sogro chegasse. A guerra, que começara há mais de dez anos com o assassinato do devasso duque de Orleáns, dividira o país, massacrando exércitos dos dois lados.
Antes mesmo das sextas, ouviu passos do lado de fora de seus aposentos. Preparou-se para saudar seu sogro, mas quem entrou foi Felipe, seu marido. O rosto severo estava marcado por uma expressão que misturava tristeza e ódio. Olhou-a por um longo instante, antes de finalmente dizer, em voz grave.
-Senhora, seu irmão assassinou meu pai. – e saiu, sem nada mais dizer. Um de seus escudeiros, um jovem flamengo de expressão inteligente, ficou por mais um instante, como se pedisse desculpas pela atitude do novo senhor da casa, antes de fazer uma reverência e também se retirar.
Porém, Michelle deixou-se ficar ali, atônita. A morte do duque significava muito para ela. Desde que chegara naquela corte, como uma estranha de uma casa inimiga, fora acolhida de braços abertos por seu sogro. Era como se perdesse um pai... E ainda mais a expressão do seu marido, como se ela tivesse culpa dos vícios de seu irmão, que matara um homem sob uma bandeira de trégua. Lágrimas correram por seu rosto enquanto deixou-se desfalecer.

Longos anos passaram. A guerra terminou, e veio a paz. Michelle não chegou a ver a assinatura do tratado de Arras, que terminou as agressividades entre seu irmão e seu marido. Morreu no mesmo ano em que o duque humilhou o Delfim, fazendo-o ceder a coroa ao filho do rei inglês. E em seu estúdio, o escudeiro que se tornara indiciário escrevia as Crônicas de tudo que havia acontecido. Ao descrever as esposas de seu amo e senhor, n Georges Chastellain não esqueceu da jovem princesa que morreu de desgosto com a guerra que partiu a França

“Et Michelle, ma belle princesse et duchesse, qui a mourrit sans voir la paix. Son couer n’a pas se diviser comme ses pays.”

“E Michelle, minha bela princesa e duquesa, que morreu sem ver a paz. Seu coração não se dividiu como o seu país.”

2 de jan. de 2005

Sol e Chuva

(Um mini conto escrito para a Oficina de Escritores)

A chuva caia torrencialmente, encharcando suas roupas. Mesmo assim, ela não se mexia. Ficou estática, para a lápide. O cabelo pingava, as gotas grossas corriam pelo seu rosto. Alguns poderiam entrever lágrimas nos seus olhos.
Não havia nenhuma. Ela olhava a lápide e em seu interior estava feliz. Ninguém teria como saber que ali estava o homem que a aprisionara por anos a fio. Muito menos desconfiavam que o seu cadáver, enterrado naquele dia, revelaria veneno se fosse devidamente analisado. Dois dias atrás, o sol brilhava, e ela serviu café ao seu marido...com um componente a mais.
Agora, a chuva caia, molhando a terra. Porém, aos seus olhos, era o primeiro dia de sol em anos.