13 de fev. de 2005

Michelle

(Mais um mini conto, dessa vez abordando o meu tema de trabalho, de forma indireta. Não foi muito aplaudido...)

Michelle

Era um belo dia de junho, e o calor aquecia as belas terras ao redor do castelo de Châlon-sur-le-Saône, onde a corte ducal estava reunida. Michelle, a jovem princesa nora do duque João, alcunhado de Sem-Medo por sua valentia, sentia-se feliz como nunca. A doentia Paris não lhe fazia falta, pois era no campo ou na pequena cidade de Dijon que estava realmente em casa. Sua criada, uma bela jovem da região da Flandres, reparou em sua alegria.
-Feliz, senhora?
-Como não estar? Hoje, com a graça do Senhor Deus, o duque, meu sogro, regressará após ter feito a paz final com meu irmão, o Delfim Carlos. Depois de tantas mortes, poderemos viver em paz... Ou melhor, minhas duas famílias lutarão lado a lado contra os verdadeiros inimigos, os ingleses.
A criada assentiu com a cabeça. E Michelle de França continuou a se preparar para quando seu sogro chegasse. A guerra, que começara há mais de dez anos com o assassinato do devasso duque de Orleáns, dividira o país, massacrando exércitos dos dois lados.
Antes mesmo das sextas, ouviu passos do lado de fora de seus aposentos. Preparou-se para saudar seu sogro, mas quem entrou foi Felipe, seu marido. O rosto severo estava marcado por uma expressão que misturava tristeza e ódio. Olhou-a por um longo instante, antes de finalmente dizer, em voz grave.
-Senhora, seu irmão assassinou meu pai. – e saiu, sem nada mais dizer. Um de seus escudeiros, um jovem flamengo de expressão inteligente, ficou por mais um instante, como se pedisse desculpas pela atitude do novo senhor da casa, antes de fazer uma reverência e também se retirar.
Porém, Michelle deixou-se ficar ali, atônita. A morte do duque significava muito para ela. Desde que chegara naquela corte, como uma estranha de uma casa inimiga, fora acolhida de braços abertos por seu sogro. Era como se perdesse um pai... E ainda mais a expressão do seu marido, como se ela tivesse culpa dos vícios de seu irmão, que matara um homem sob uma bandeira de trégua. Lágrimas correram por seu rosto enquanto deixou-se desfalecer.

Longos anos passaram. A guerra terminou, e veio a paz. Michelle não chegou a ver a assinatura do tratado de Arras, que terminou as agressividades entre seu irmão e seu marido. Morreu no mesmo ano em que o duque humilhou o Delfim, fazendo-o ceder a coroa ao filho do rei inglês. E em seu estúdio, o escudeiro que se tornara indiciário escrevia as Crônicas de tudo que havia acontecido. Ao descrever as esposas de seu amo e senhor, n Georges Chastellain não esqueceu da jovem princesa que morreu de desgosto com a guerra que partiu a França

“Et Michelle, ma belle princesse et duchesse, qui a mourrit sans voir la paix. Son couer n’a pas se diviser comme ses pays.”

“E Michelle, minha bela princesa e duquesa, que morreu sem ver a paz. Seu coração não se dividiu como o seu país.”