13 de mar. de 2005

O rei está morto...Viva o Rei!

- Esta é a maior descoberta dos últimos dois milênios! Uma nave-tumba da civilização perdida dos Alinontes! E nós, terrestres, fomos os primeiros a encontra-la! Isso irá matar os arbussianos de inveja.
Minha companheira preparava-se para abordar a misteriosa nave que surgira nos nossos sensores poucos dias atrás. Eu não estava muito excitado com a idéia. Primeiro porque não sou um arqueólogo espacial como ela, e segundo porque não gosto do pensamento de que iremos violar uma tumba, seja ela uma nave ou não. Chamem de arcaica superstição, não ligo. Um homem pode ter seus pudores.
- Você vem ou ainda está com medo de “fantasmas”?
Tanilke sempre debochara do meu medo.Eu não ligava. Achava – como ainda acho – que não nos custa nada deixar os mortos em paz. Mas o salário como piloto da nave de pesquisa arqueologia Champollion era tentador demais. E como eu poderia desconfiar de que iríamos encontrar uma nave-tumba logo de cara?
A contragosto, vesti meu uniforme espacial. Não sabíamos como poderia estar a atmosfera dentro da nave. Fechada há cinco mil anos, provavelmente não seria saudável arriscar entrar desprotegido.
Nos teletransportamos para a central de comando. Os computadores, alimentados por uma bateria auto-recarregável, altamente radioativa, mostravam suas luzes difusas. Não havia outra iluminação. Senti um calafrio, como se algo gelado percorresse minha espinha. Na penumbra, vi Tanilke se aproximar de um painel e digitar algumas ordens. A claridade aumentou, e vi uma malha de imensos corredores. Dirigi-me, inconsciente, ao corredor mais central, o que fez minha parceira ficar surpresa. Seguimos caminho.

Nas paredes, esculpida em hologravuras delicadas e detalhistas, estava a história do homem que mandaram construir a nave. Segundo minha amiga, era um dos últimos reis de uma das primeiras dinastias imperiais dos Alinontes. Vivera longamente e fora sobre seu domínio que o Império atingira sua máxima extensão. Porém, ao envelhecer, adoecera gravemente. Nenhum dos médicos conseguiu descobrir o que causara a doença, que deformara tanto o corpo quanto a mente do soberano. Quando a morte o buscara, fora um alívio para todos e seu filho assumira, mantendo a prosperidade do reino. Uma estranha sensação de dejá-vu me assaltou ao ver as gravuras e ouvir a explicação dela. Um ódio inexplicável pelos médicos me tomou, no entanto este não era nada comparado ao que senti pelo filho e sucessor do morto. Sacudi a cabeça.
As gravuras terminavam exatamente no final do corredor. Uma imensa porta bloqueava a passagem. Não que fosse empecilho para minha jovem amiga. Ela desbloqueou o canal de comunicação, ligando os amplificadores. Entoou uma sucessão de notas, agudas, que eu reconheci como uma fórmula mágica. Um eco inexplicável se ouvia, como se mais alguém cantasse junto.
Todos os meus sentidos gritavam para que eu saísse dali. Infelizmente, o contrato é claro. Eu tinha que acompanhar a equipe – no caso, Tanilke – e auxiliar no que fosse possível.

Entramos na câmara fúnebre. Ali, a escuridão era total, menos por uma claridade azulada que saía de um objeto de metal ricamente trabalhado. O sarcófago de Artrouewy. Feito com o alumi-silicato, tão comum no hemisfério norte de Alinon, e tão raro no nosso hemisfério sul. Só os melhores artesãos eram capazes de trabalhar bem aquele metal. Um momento de fria lucidez me assaltou. Aqueles pensamentos não eram meus. Foi quando me dei conta que a arqueóloga lia as inscrições no sarcófago. Tentei gritar para que ela não terminasse. De alguma maneira, eu sabia o que era aquilo. Um encantamento de ressurreição.

Mas tarde demais. Quando falei, não era mais com a minha voz. E o fiz em uma língua estranha, repleta de assovios e sons agudos.